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terça-feira, 24 de abril de 2012

Um dono para Buscapé.



Eu tinha uns 7 anos quando minha mãe trouxe uns livros antigos pra casa. Meus pais sempre me incentivaram a ler, e foi numa dessas que eu ganhei "Um dono para Buscapé". Vamos lá, já tem 11 anos que eu li esse livro... eu não vou saber dar detalhes. Só me lembro que chorei compulsivamente com a história de um menino que se mudava de uma casa pra um apartamento e tinha que encontrar um dono para Buscapé, seu cãozinho de longa data. Nessa época eu também morava num prédio e só tinha um jabuti como companhia, mas mesmo assim isso me afetou.

Quatro anos depois, meus pais me chamaram pra conversar. Na minha casa sempre foi assim: mesmo criança minha opinião valia. Dessa vez eles queriam saber o que eu achava de me mudar do nosso apartamento no centro do Rio de Janeiro pra uma casa em São Gonçalo, bem afastado do grande centro. Me explicaram que ia ser por pouco tempo e eu fui categórica "vou se vocês me derem um cachorro". Assim começa a nossa história. Meus pais cheios de problemas e eu sonhando com um cachorro.

 Uns meses se passaram e meu primeiro cachorrinho foi levado rapidamente por uma doença fulminante. Meus pais, desesperados com o meu pânico, logo trataram de arrumar outro pra evitar que eu morresse de desgosto. Foi então que um espirro de cachorro preto com laçarote rosa e menos de meio quilo chegou aqui: com nome de livro e timidez de avestruz, recebemos Sofia.

Admito, o começo não foi legal. Ela demorou a comer e quando comeu, foi a casa toda de uma vez. Destruía os moveis e chinelos, chorava tanto que dentro de algum tempo se mudou da área de serviço para a minha cama. De onde ela não saiu até hoje, diga-se de passagem. Ela era um filhote e talvez eu também fosse, mas como o cachorro pega a personalidade do dono, ela logo se tornou amigável e dorminhoca exatamente como eu sempre fui. Com o tempo ela não só pegou o meu jeito, como passou a me seguir em todos os cantos da casa, dormir grudada em mim e me acordar pra ir pra escola. Fica triste quando eu viajo e  quase morre de alegria quando eu chego. Mesmo convivendo com outras pessoas, ela me escolheu e eu acolhi.

Engraçado que eu nunca na vida pensei em coisas sérias sobre ter um cachorro. Nem mesmo pensei em quanto tempo vive um. Eis que alguns anos depois, eu estou aqui vivendo meu próprio "Um dono para Buscapé". Pois é, meus pais bem que avisaram que a gente não ia morar nessa casa pra sempre. Sonhei todos esses anos em voltar pro meu apartamento, mas parecia tão distante que eu nunca pensei em como resolver mesmo as coisas. Imagino que meus pais também não, do contrário não teriam me dado um cachorro sabendo que ele teria de ir embora depois.

Acontece que cães, principalmente quando tão próximos de seus donos, se tornam membros da família. E você não simplesmente parte atrás dos seus sonhos e deixa sua família com qualquer estranho.Já perdi muitas noites de sono tentando resolver. Eu sou teoricamente um adulto e sei que eu posso viver minha vida sentindo saudade da minha pequena bolinha de pêlos desbotada. Mas e como fica a Sofia, que foi minha grande companhia todo esse tempo? Eu não sei, realmente queria saber.

Só sei dizer que me parece insuportável a ideia de deixa-la longe, de não saber se ela vai ter um fim de vida feliz. De ela achar que eu fui embora porque quis, eu nunca faria isso se tivesse escolha. Eu sei que ninguém que não tenha um cachorro vai entender isso, mas é como se eles realmente se tornassem parte de nós. E é de partir o coração magoar alguém que te acalentou  por tanto tempo mesmo sem dizer uma palavra. Sempre me disseram que crescer exige alguma dor... mas nunca avisaram que envolvia sofrer por fazer mal a quem só merecia o bem.